terça-feira, 2 de dezembro de 2008

"Doença do nosso tempo
Mariana Sgarioni

Você deve estar pensando: gente teimosa e turrona existe desde que o mundo é mundo. Por que só agora se percebeu que isso é um transtorno de personalidade que deve ser tratado? Porque a vida nunca foi tão difícil para os perfeccionistas.
Até poucas décadas atrás, o ritmo mais lento da vida – e do trabalho – dava espaço a que o sujeito cabeça-dura se ocupasse com suas obsessões e fosse especialista nelas. Um afinador de pianos podia demorar semanas para devolver o instrumento ao cliente, pois seu trabalho dependia somente de talento, aptidão e treinamento. Mas as coisas mudaram: surgiram artefatos eletrônicos que, se não substituem perfeitamente o trabalho de um ouvido absoluto, tornam o serviço bem mais rápido e com um resultado aceitável para a maioria dos mortais. Pior para os afinadores perfeccionistas, inventaram pianos eletrônicos que nunca precisam ser afinados.
Em resumo: a pessoa precisa saber se adaptar, coisa dificílima para um perfeccionista. “Vivemos numa era em que as vidas social, profissional e afetiva exigem flexibilidade”, afirma Geraldo Possendoro. “Quem não é flexível fica para trás e sofre de ansiedade.”
Além disso, a era da informação rápida e fácil – mas nem sempre confiável – é o inferno dos perfeccionistas porque os obriga a elevar os próprios padrões de exigência. Até meados da década de 1990, um jornalista que quisesse escrever sobre afinação de pianos precisaria se desdobrar para achar fontes especializadas de informação. Qualquer besteira escrita passaria em branco para a maioria dos leitores – só os perfeccionistas teriam disposição para correr atrás dessas fontes.
Hoje, qualquer tipo de informação – de afinação de pianos a disfunções intestinais do bagre africano – estão disponíveis na internet para o jornalista, seu chefe e todos os leitores (ai, Jesus!).
Mais fácil que mudar esse mundo é tentar amolecer a cabeça dura dos perfeccionistas. Mas como? A psicóloga americana Alice Provost propôs um exercício para o grupo que estudou na universidade – uma série de regras que tinham por objetivo livrar essas pessoas de suas próprias regras mentais. Elas eram mais ou menos assim: termine o expediente na hora certa; não chegue ao trabalho antes da hora estabelecida; faça todas as pausas a que tem direito; deixe a mesa bagunçada; determine um número de tentativas para concluir o trabalho e, em seguida, entregue o que tiver. “Parecem coisas banais, porque aquilo que alguns deles consideram fracasso é algo para o que a maioria das pessoas não dá a mínima importância”, diz. Depois pergunte: você foi castigado? A universidade deixou de funcionar? Você está mais feliz? Segundo a professora, os cobaias perceberam que se preocupavam demais com bobagens. “Todos ficaram surpresos porque tudo continuava funcionando”.

In: Superinteressante, março de 2008, p. 69.

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